“Minha família, além de obesa, é diabética. Portanto, eu não como doce. Mas amo carne vermelha” “O seguro de US$ 1 milhão das minhas pernas durou um ano e meio.Depois, ninguém mais dava R$ 0,50 por elas. Hoje, estão mais inseguras do que nunca” “Sou uma atriz que ousa, que tenta abrir aquela porta que está fechada. Meu objetivo é tornar o musical um gênero popular no Brasil”
A performance artística de Claudia Raia, a elasticidade, a capacidade de cantar, dançar e atuar por duas horas sem intervalo em um musical não é novidade. Afinal, já são 10 ao longo de 26 anos de carreira. Mas é preciso admitir que, a cada novo espetáculo, a desenvoltura da atriz impressiona. É como se o tempo não passasse para ela. É como se deparássemos com uma mulher de outro mundo, uma mulher-maravilha, uma super-heroína.
São definições que podem ser empregadas em todos os aspectos de sua vida. Além de atriz ímpar no cenário artístico brasileiro, Maria Claudia Motta Raia, 43 anos em 23 de dezembro, desempenha com maestria os papéis de mãe (de Enzo, 12 anos, e Sophia, 6) e esposa dedicada do ator Edson Celulari.
Está cada vez mais arrojada e ambiciosa – atributos, aliás, que a levaram a conceber o espetáculo Pernas pro Ar, que estreou há três semanas em Ribeirão Preto, passou por Recife, São Paulo e chega agora a Porto Alegre para duas apresentações, nos dias 15 e 16 de dezembro, no Teatro do Bourbon Country.
Com argumento de Luis Fernando Verissimo, texto de Marcelo Saback e direção de Cacá Carvalho, o espetáculo coloca Claudia Raia em cena como a dona de casa Helô, uma mulher comum que nada mais faz do que viver uma vidinha entediante e sem sobressaltos. Chega o dia, então, em que suas pernas se revoltam e partem em busca de aventuras – à sua revelia e para seu desespero.
A concepção do musical, o treinamento físico que ele exigiu, a rotina diária de exercícios e a compensação de todo esse esforço, Claudia contou a Donna na entrevista a seguir.
Donna – Você há de concordar que fazer turnê com três carretas, 25 integrantes no palco, uma orquestra em cena e 50 pessoas trabalhando na equipe não é tarefa fácil. Mas você vai lá e faz. O que te move?
Claudia Raia – Justamente o fato de querer fazer algo que ainda não foi feito, algo que me estimule, que me impulsione. Meu objetivo sempre foi fazer as pessoas entenderem o que é um musical da Broadway, já que nós não temos essa cultura. E não temos por falta de oportunidade, já que o Brasil é um país essencialmente musical, e interesse da população é o que não falta.
Donna – Você se sente como porta-voz dessa categoria, a artista que prova que é possível fazer e excursionar com musicais pelo Brasil?
Claudia – Não sei se porta-voz, mas acho que sou uma artista que ousa, que tenta abrir aquela porta que está fechada. Como o musical é um estilo engessado pela sua própria grandeza, as produções acabam não saindo do eixo Rio-São Paulo. Meu objetivo é torná-lo um gênero popular. Fiz uma parceria como o Ministério da Cultura para oferecer ingressos a preços mais acessíveis.
Donna – Conseguiu viabiliazar o projeto?
Claudia – Estamos trabalhando nisso. Estamos buscando fazer alianças com prefeituras e governos de Estado para, após a temporada do espetáculo nos teatros, conseguir apresentá-lo em praça pública, em lugares abertos e de graça para a população carente. No Rio de Janeiro e em Belém do Pará, já conseguimos viabilizar esse projeto.
Donna – Essa preocupação social é algo recente na sua vida?
Claudia – Não, sempre foi. Eu sempre estive engajada em projetos sociais. É que eu não faço estardalhaço. Quando você ajuda, você ajuda e pronto. Não precisa dizer que está ajudando. Eu animei durante anos as crianças do Hospital do Câncer, ajudo há anos várias instituições, entre elas a Casa dos Artistas. Só que ninguém sabe, e eu não divulgo. Este projeto eu só divulgo porque minha intenção é aproveitar as temporadas nas cidades para ministrar workshops e formar equipes, descobrir novos talentos, revelar bailarinos, compositores que devem estar escondidos pelos cantos desse país.
Donna – Você é uma atriz ambiciosa. Em Pernas pro Ar, utiliza uma tecnologia que propicia uma cenografia virtual projetada em três dimensões por nove projetores e 12 computadores. O fato de ser Claudia Raia ajuda na viabilização de projetos?
Claudia – Não (risos). Às vezes, atrapalha. Fica mais caro do que para uma pessoa normal, infelizmente. Olha, eu admito que já consegui alguns patrocínios na minha vida, mas nunca fui tão bem recebida pelas empresas como desta vez.
Donna – Por quê?
Claudia – Porque é um projeto diferente, muito ousado e pensado para ser apresentado no Brasil inteiro. Os patrocinadores estão cansados de ficarem restritos ao eixo Rio-São Paulo. Eles sabem que tem um país inteiro carente de cultura. Pernas pro Ar será percorrerá de Porto Alegre a Manaus. E isso agrada bastante os patrocinadores.
Donna – “Nunca acreditei no meu talento, se é que o tenho. Sempre fui atrás do meu trabalho com empenho”. Você ainda se reconhece nessa frase?
Claudia – Completamente. O Miguel (Falabella) me disse: “Você é uma pessoa completamente obsessiva, é a 14ª vez que você está repetindo o mesmo pedaço da música”! E eu respondi: “Pois é. Para você pode ser fácil, mas para mim não é”. Tudo na minha vida é muito lutado. Em uma ou duas vezes, eu não consigo atingir meu objetivo. Preciso lutar muito para obter um resultado que considero viável.
Donna – Pensamento de perfeccionista.
Claudia – Pois é, eu sou. E digo mais: mesmo ensaiando a quantidade de horas que eu ensaio e sendo obcecada, como dizem que eu sou, a chance de dar errado ainda é enorme. Eu costumo dizer que, para fazer musical, você precisa ter três cérebros: um para canto, outro para dança e o terceiro para representação. São três coisas completamente diferentes e incompatíveis. Ou você luta muito para poder ter um resultado médio nesses três quesitos, ou então você faz mal – por mais talentosa que você seja. Acredito piamente que 80% é trabalho, e 20% é talento – e que uma pessoa com menos talento cresce mais do que uma pessoa talentosa. Tudo é questão de trabalho, repetição, insistência. E perfeccionismo mesmo.
Donna – Sua rotina de exercícios foi intensificada para esse espetáculo?
Claudia – Fiz muita aula. Aula, aula, aula de balé. É algo que tenho que fazer sempre – e muito. Toda vez que estou envolvida em um musical, faço um treino aeróbico que mistura exercício com canto. Eu treino cantando, na esteira ou no transport. Eu corro cantando. São treinos que fui desenvolvendo para ter fôlego para cantar e dançar.
Donna – Você odiava corrida...
Claudia – (Interrompendo) Eu odeio! Eu odeio com todas as minhas forças, mas é o mal necessário. Se eu não faço esse treino três vezes por semana, imediatamente eu fico mais ofegante em cena.
Donna – Por trás dessa sua imagem perfeita, existe alguma coisa que você não goste em você?
Claudia – Qual imagem perfeita? (risos) Você está sendo generosa, e eu não compartilho da sua opinião. Eu vou fazer 43 anos e acho que estou bem para a minha idade. Mas, acima de tudo, estou feliz com ela. Essa é a minha grande virtude nesse momento.
Donna – Você vem de uma família de obesos. Qual sempre foi o seu maior cuidado para não engordar?
Claudia – Minha principal preocupação é que minha família, além de obesa, é diabética. Portanto, eu sou uma pessoa que não come doce. Fui treinada, educada para não comer doce. E não gosto. Tenho muito cuidado com açúcar e com alimentação em geral por esse motivo. A obesidade da minha família vem da diabete, e eu preciso ser vigilante, porque amo comer.
Donna – O quê?
Claudia – Carne vermelha. Eu amo, e como. Mas com moderação.
Donna – Você engordou na época da novela A Favorita. O fato de ser sua primeira protagonista em horário nobre pesou?
Claudia – Acho que foi tudo um pouco. Foi o peso da protagonista, o excesso de trabalho e também uma maneira, acredito que inconsciente, de provar que minha carreira não está ligada à beleza ou à forma física. A personagem Donatella Fontini não precisava da Claudia Raia incrível, vamp, magra. Foi um trabalho de atriz que me exigiu muito, e eu acabei engordando.
Donna – Para uma atriz deve ser libertador constatar que o talento está acima da forma física, não?
Claudia – É isso, sabe? Durante a vida inteira, minha imagem foi aliada à forma física, à beleza. Isso é ótimo, e eu não rejeito, pelo contrário, acho um plus. Mas o gostoso é brincar com isso. Na hora em que preciso da minha altura, da minha exuberância, da minha sensualidade, eu posso usar. Quando não preciso, posso fazer um Tonhão, uma sapatona, que todo mundo acha graça e ninguém lembra da sex symbol. Ser atriz é isso. É claro que pretendo sempre ficar bem com a minha imagem, mas não quero ser refém da beleza e nem da minha juventude, porque ela não será eterna. Não adianta sofrer com isso. Tem que saber administrar.
Donna – Você diz que sua boca e seu abdome são sua melhor genética, mas que vive em guerra com seu bumbum. O que faz para que a lei da gravidade não atue sobre ele?
Claudia – Ah, minha filha... Estou quase colocando um suspensório de bumbum, porque é puxado. Ou, então, andando por aí plantando bananeira (risos).
Donna – Suas pernas seguem seguradas em US$ 1 milhão?
Claudia – Não. Essa história virou uma novela. Não fui eu que fiz o seguro, foi a seguradora que me patrocinava. As pessoas acham que eu segurei minhas pernas em US$ 1 milhão, mas não é verdade. Esse seguro durou um ano e meio. Depois, ninguém mais dava R$ 0,50 por elas. Hoje, minhas pernas estão mais inseguras do que nunca (risos).
Donna – Para uma mulher ativa, acredito que a perspectiva da passagem do tempo e as privações físicas que isso acarreta devam causar algum temor. Você pensa nisso?
Claudia – Não, eu não penso em nenhum tipo de privação, porque tenho uma vida muito saudável e vejo pela frente um futuro muito ativo. Eu vou fazendo as coisas que forem possíveis. Para uma pessoa, como eu, que fez exercício a vida inteira e que vive do exercício, acho bastante improvável que algum malefício físico aconteça.
Donna – Você faz análise como um tratamento preventivo contra coisas que fogem ao seu domínio, como envelhecer. Em que ponto a análise mais tem ajudado?
Claudia – (Pede um minuto para atender o filho Enzo) A análise me ajuda muito a administrar os meus filhos. É muito difícil você ser responsável pela cabeça de uma criança, que nada mais é do que uma tela em branco, como diz o líder espiritual Osho. A maternidade mudou tudo na minha vida. Mudou as prioridades, os valores. A análise me faz entender que eu posso estar errada, posso ter plantado alguma coisa errada na vida deles, mas que a grande sacada é não deixar esse erro enraizar. Plantar errado todo mundo planta, todo mundo erra. O segredo é você perceber a tempo, admitir e corrigir o curso da história.
Donna – A relação de você e Edson com seus filhos é bastante aberta?
Claudia – Completamente. Falamos sobre tudo com eles. E eles ouvem tudo, assimilam, são muito bacanas e calmos. Tudo que fazemos, toda a criação que damos para o Enzo e para a Sophia é muito embasada, muito explicada, muito plantada. Eu e meu marido enfrentamos uma batalha diária pela sanidade mental de nossos filhos. E é compensador perceber que essa luta está valendo a pena.
Donna – Enzo está entrando na fase da pré-adolescência. Como você lida com isso?
Claudia – Enzo está ótimo. É um garoto bacana, muito simples e seguro. Ele fala de tudo com a gente, traz várias questões para discutir em casa. O Enzo é muito amigo, muito querido pelos amigos. É um cara bem legal. Vai ser um homem muito interessante.
Donna – Como você administra dentro de você a ausência em casa exigida pelo seu trabalho?
Claudia – (Interrompe para atender a filha Sophia) Edson é um “pãe” incrível, e a gente troca muito de posição. Quando ele não está, eu estou; quando eu não estou, ele está. E isso facilita muito. Quando me ausento de casa por motivos profissionais, explico a meus filhos que estou indo atrás dos meus sonhos. Essa é a grande mensagem que posso deixar para eles. Lembro que, na época do musical Sweet Charity, quando eu também ficava muito ausente de casa, como agora, tive três dias de folga e levei os dois para o alto de uma pedra, lá em Búzios. Disse a eles que sonhava em fazer esse musical havia 20 anos, que estava tendo, naquele momento, uma grande oportunidade e que estava muito feliz por poder ir atrás desse sonho. No dia da estreia, o Enzo entrou no camarim, me deu um beijo e disse: “Mamãe, meus parabéns. Valeu a pena você ir atrás do seu sonho”. Portanto, posso dizer com certeza que eles entendem a nossa carreira. O fato de verem os pais trabalhando é um grande exemplo para os dois.
Donna – Você e Edson estão juntos há 17 anos e você diz que é resultado da vontade de duas pessoas de estarem juntas. Tem faltado essa vontade hoje em dia aos casais?
Claudia – Eu não posso falar por ninguém, cada casal tem sua história. O que posso dizer é que nossa vontade é o grande motor do nosso casamento, é o que nos move. Nós enfrentamos muitos empecilhos geográficos, muitas vezes não estamos juntos todo o tempo que gostaríamos de estar, mas a gente administra isso muito bem. É essa vontade que faz com que nosso relacionamento esteja vivo por todo esse tempo.
Donna – Edson gostaria de ter seis filhos. E você, vem pelo menos mais um por aí?
Claudia – (Risos) Estamos chegando à conclusão que não vai rolar. Logisticamente, é complicado. Vai ficar para a outra encarnação.
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