Eu acho bem mais complicado. Perdemos um pouco a liberdade do lúdico, do sonho, a licença poética mesmo. Acaba ficando tudo muito limitado. A gente não pode pegar uma bebida, fazer uma bêbada, aparecer fumando. Tudo bem, é importante saber dosar, até porque sabemos que existem crianças assistindo. Mas acho que certas situações poderiam e deveriam ser repensadas. Acho que isso ajuda a afastar as pessoas da televisão em geral. Ajuda a diminuir a audiência.
Antes, aqui na Globo, a gente tinha o Boni. Ele dizia: "vocês fazem o artístico. Do Ibope, cuido eu". Algo que, na minha opinião, está certo. Era ele quem tinha de saber como lançar uma novela. E, se não desse certo, como relançá-la. Havia um desespero na emissora até pouco tempo atrás a respeito disso. Quando não dava certo na primeira semana, faziam um grupo de discussão. O público nem sabia direito a função dos personagens nas tramas e ainda estava de luto da outra novela. Sim, porque há um luto. Seja para não virar refém ou por rejeitar mesmo o término da anterior. É como marido novo com os filhos: você vai se acostumando com aquilo aos poucos. Essa adaptação, em algum momento aqui da Globo, ficou histérica. Mas, de dois anos para cá, se acalmou. Acho que um pouco pelo que aconteceu com "A Favorita".
Desde "A Favorita", eu trabalho com a Rosana Garcia. Ela é minha "coach", está sempre do meu lado para me ajudar. E não só para isso. É importante ter um profissional bom do lado para dar uma direção, fazer você enxergar onde está além da conta, onde pode colocar uma carga a mais de humor ou drama.
É mais difícil controlar na comédia, mas já tenho uma base artística. No teatro, em "Sweet Charity", precisei de um trabalho de corpo enorme que emprestava a imagem de uma mulher mais baixa. Nunca alguém da minha altura conseguiu pegar aquela personagem. Mas representar é isso mesmo, é pegar um papel que não tem nada a ver com o seu perfil e se sair bem. Ou que tem tudo a ver com você e conseguir dar uma cara nova, mostrar que é uma interpretação, e não mera reprodução da realidade.
Com tantas características fortes, acha que alguns autores e diretores têm medo de escalar você para papéis mais naturalistas? Você nunca trabalhou com o Dennis Carvalho, com o Gilberto Braga, o Manoel Carlos...
Não acho. Vide "A Favorita". Não era um papel para o qual me escalariam normalmente. O Ricardo Waddington não é um diretor que tenha o meu perfil. Brinco com ele: "Por que você tem mania de mim se eu não faço parte da sua turma?". Eu não sou uma atriz que seja a cara do Ricardo, mas ele sempre pensa em mim em papéis diferentes. "A Favorita" mostra isso perfeitamente. Aquele papel, aparentemente, não era para mim. Mas "Torre de Babel" também não. Lembro que eu fiz um trabalho limpo, sem gestos. Ela era tão sem nada na cara, tão robótica... E eu sou uma mulher muito física. Tirei tudo, até o cabelo. A Ângela era uma mulher que quase não se mexia. Conversei na época com o Edson (Celulari, ex-marido) em casa e ele achou que era perigoso. Era um caminho que, se eu errasse, iria errar feio. Acabou virando uma psicopata, coisa que ela nem era na sinopse.
Na época, o João Emanuel falou para mim: "se eu errar na Donatela e você errar na Donatela, pelo amor de Deus, aí é porque eu errei a novela". Eu acho que muitas pessoas encaram a atuação na tevê como algo que pode ou tem de ser superficial. Mas eu não. O trabalho elaborado, estudado, pensado, analisado a cada dia profundamente em seus melhores momentos faz a diferença. Acho que há muitos jovens e até atores mais experientes que acham que televisão é vem, faz e pronto. Claro que, com 35 cenas por dia, não dá para acertar em tudo. Mas, se você vem preparado, estudado, você consegue acertar uns 70%.
Foi em 1992 que Cláudia ganhou sua primeira protagonista, quando Sílvio de Abreu escreveu "Deus nos Acuda". Na história, interpretava a trambiqueira Maria Escandalosa. Foi a quarta vez que a atriz trabalhou em uma obra do autor, que também escreveu "Cambalacho", "Sassaricando" e "Rainha da Sucata". De lá para cá, os dois já trabalharam juntos em "Torre de Babel", "As Filhas da Mãe" e "Belíssima". "O Sílvio me deu papéis incríveis. O que ele quiser que eu faça, digo sim", exagera.
Hoje, Cláudia se diverte com essa situação. E encara numa boa a idade avançada dos filhos de suas personagens recentes. Em "Belíssima", ela interpretava a mãe de Giovanna, papel de Paola Oliveira. Já em "A Favorita", Donatela descobria que seu filho desaparecido era Halley, vivido por Cauã Reymond. "Costumo dizer que daqui a pouco eu vou fazer a avó da Regina Duarte", brinca ela, que aponta um fato curioso em sua trajetória. "Acho engraçado lembrar que eu fiz a mãe do Carmo Dalla Vecchia em Engraçadinha e, 13 anos depois, fizemos par romântico em A Favorita", afirma.
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